Você já se inscreveu em algum sorteio de supermercado só porque estava distribuindo balinha na fila do caixa?
Você sabe do que estou falando: você está ali, com pressa, a fila lenta, o ar-condicionado em modo “geleira norueguesa” e alguém surge com um tablet na mão dizendo que você pode ganhar uma viagem. Tudo o que precisa fazer é digitar seu CPF e responder se prefere praia ou montanha. Pronto. Você não ganhou nada — aparentemente. Até agora.
E se, meses depois, quando sua mente já arquivou aquela memória junto com o cheiro do corredor de amaciante, você recebesse uma ligação: “Parabéns! Você foi o grande vencedor do nosso sorteio!”. Você arregala os olhos, procura por câmeras escondidas, e começa a rir meio sem graça.
Mas a pessoa do outro lado da linha continua: “O seu prêmio é uma experiência única: uma viagem inesquecível para… a Lua!” Ou talvez: “…uma fazenda no meio do nada, onde só pega sinal de fumaça e você vai dividir o quarto com uma lhama chamada Gerson.”
Aí você para. Silêncio. A ligação caiu? Não. Foi só a sua alma saindo do corpo por três segundos.
Vamos por partes.
Todo mundo já sonhou em ganhar algo inesperado. Um prêmio, um elogio, um reconhecimento, um afago do universo. O problema é que a gente sonha com o clichê do esperado: uma viagem para Paris, uma casa na praia, um ano de pizza grátis.
Ninguém sonha em ganhar um pacote surpresa que envolve botas de borracha, repelente e o risco de ter que tirar leite de cabra às cinco da manhã. E, no entanto, às vezes é esse tipo de presente que a vida oferece. De surpresa. Sem manual de instruções.
Imagine só: você empacotando suas coisas para a “viagem da sua vida” e, no lugar de biquíni e óculos escuros, colocando calças largas, casacos térmicos e um chapéu de apicultor (porque nunca se sabe). A etiqueta da mala diz “Destino: lugar nenhum com parada em coisa nenhuma”. Você até pensa em desistir, mas… alguma coisa te impulsiona.
E é aí que começa a mágica.
Você chega ao seu destino. No começo, tudo parece estranho. As pessoas falam baixo demais ou alto demais, os cheiros são esquisitos, e você nunca sabe se a comida é doce ou salgada. Nada faz sentido. Nem o travesseiro.
Mas aos poucos — bem aos poucos — algo dentro de você começa a se movimentar. Você percebe que está dormindo melhor, respirando diferente, pensando em coisas que nunca tinha parado pra pensar. Você começa a rir de coisas bobas. Começa a escutar as pessoas com mais curiosidade. Começa a escutar a si mesmo.
A lhama Gerson, que antes parecia uma invasora malcriada no seu quarto, agora parece um bom ouvinte. E você percebe que não se ouvia há muito tempo. Que vivia no automático. Que seus sonhos estavam no modo soneca.
O sorteio era real. Mas o prêmio não era só a viagem. Era o deslocamento.
Era sair do lugar conhecido, do confortável, do planejado, e encarar o absurdo. Era sair do “tudo sob controle” e experimentar o “quem diria, hein?”. Era sair do papel de quem tem todas as respostas e se colocar na posição de quem faz as perguntas.
É nessa hora que a gente descobre que o mapa não é o território. Que a gente pode se perder e ainda assim se encontrar. Que desconforto também é crescimento. E que Gerson, a lhama, ronca — mas é um ronco reconfortante.
Esse texto poderia terminar aqui, como uma história maluca de um prêmio aleatório. Mas a verdade é que a vida é especialista em sorteios inesperados. Você acorda num dia comum e, sem aviso, recebe um prêmio esquisito: uma mudança repentina, uma oportunidade disfarçada, uma perda que vira ponto de virada, um convite que te tira do chão e te joga num lugar novo dentro de você.
A gente planeja ir pra praia, mas a vida manda pra um lugar com neblina e cheiro de terra molhada. E, pasme, às vezes é justamente ali que tudo muda.
Talvez você não tenha se inscrito. Talvez nem queira ir. Mas, se puder, vá. Deixe-se ser surpreendido. Deixe a lhama entrar. Faça amizade com o inesperado. E quem sabe, no fim das contas, você descubra que o melhor prêmio da vida é se permitir viver coisas que você nunca pensou em viver.
Às vezes a vida manda a gente pra lugares esquisitos… e é lá que a gente se encontra.
Agora me conta: se você ganhasse esse sorteio hoje, faria as malas? Ou inventaria uma desculpa e deixaria o Gerson esperando?
(Vai lá. Ele é um bom ouvinte.)