Entre a escolha e o algoritmo o que realmente nos move

Sabe quando a gente abre um app de filmes, navega por uns bons minutos e, no fim, acaba assistindo ao que estava na primeira fileira desde o começo? Pois é. A gente chama isso de escolha. Mas seria mesmo? E se tudo já estivesse, de certa forma, roteirizado para que a nossa “escolha” fosse apenas uma resposta previsível? Bem-vindo à era do algoritmo: onde a liberdade de decidir pode ser mais ilusória do que parece.

A prateleira invisível

Antigamente, a gente entrava numa locadora, circulava entre as prateleiras, pegava as caixinhas, lia a sinopse. Tinha algo de aleatório e surpreendente nisso. Hoje, é tudo otimizado. As plataformas “aprendem” o que você gosta, ajustam sugestões, colocam no topo o que, estatisticamente, você tem mais chance de clicar. E a gente acha que está escolhendo.

Na prática, estamos sendo conduzidos por um conjunto de códigos que entendem nosso comportamento melhor do que a gente mesmo. O algoritmo conhece seus gostos, seus horários, suas dúvidas, suas pressas. Ele sussurra opções no seu ouvido e você chama isso de desejo.

Do supermercado à política

A ilusão da escolha não se resume ao entretenimento. Quando você vai ao supermercado, a disposição dos produtos não é aleatória. Há anos de estudos de neuromarketing que dizem onde cada item deve estar para ser comprado. A gente vai pegando, sem nem perceber, o que já foi previamente decidido para chamar nossa atenção.

E o mesmo vale para opções de voto, ideologias, movimentos sociais. Redes sociais te mostram com mais frequência aquilo que você já demonstrou algum tipo de interesse. E, aos poucos, isso molda sua visão de mundo. Você acha que escolheu um lado. Mas, e se esse lado foi construído em cima do que você já clicou, curtiu ou compartilhou?

O paradoxo da personalização

Os algoritmos foram criados para melhorar nossa experiência. Personalizar, facilitar, tornar a vida mais prática. E isso, sem dúvida, é um benefício. Mas ao mesmo tempo, ao fazer isso de forma tão eficiente, eles vão nos restringindo em bolhas de opinião, gosto e consumo.

O que era pra ser liberdade, virou cercadinho. A gente se sente livre, mas não percebe que está cercado por aquilo que o sistema decidiu que é a nossa cara.

Cadê o livre arbítrio?

A grande pergunta é: ainda temos livre arbítrio? Ou estamos simplesmente seguindo caminhos que foram desenhados para parecer que fomos nós que escolhemos?

A resposta é complexa. Não se trata de dizer que somos robôs ou que não temos nenhuma capacidade de decidir. Mas talvez seja o caso de reconhecer que, muitas vezes, nossas escolhas são altamente influenciadas. E que o primeiro passo para recuperar um pouco da autonomia é tomar consciência disso.

Escolher requer mais esforço do que parece

A verdade é que escolher dá trabalho. Pensar criticamente, sair da rota mais fácil, experimentar algo novo, correr o risco de não gostar, exige energia. E num mundo acelerado, cansado e hiperconectado, a tendência natural é aceitar o caminho mais rápido.

O algoritmo não é vilão. Ele é funcional. Mas se a gente parar de questionar, ele vira piloto automático.

As microdecisões do dia a dia

Pense no seu dia hoje. Desde a hora que acordou: a música que ouviu, a roupa que escolheu, a comida que pediu. Quanto disso foi escolha autêntica? E quanto foi um reflexo de algo que apareceu na sua tela, que já estava ali, pré-definido, sugerido?

Talvez o desafio não seja fugir do algoritmo, mas usá-lo com consciência. Saber que ele está ali, que ele vai tentar prever seus passos, mas que você ainda pode surpreender.

Reaprender a decidir

Talvez a grande revolução hoje seja reaprender a decidir. Escolher conscientemente, mesmo que nem sempre seja a opção mais fácil ou popular. Testar o novo, buscar fontes diferentes, ouvir outras opiniões. Desligar um pouco o piloto automático e se permitir estar presente nas próprias escolhas.

Quando a escolha é sua, ela tem gosto diferente

Você já deve ter sentido isso. Quando faz uma escolha que é realmente sua, que não veio embalada pelo algoritmo, tem outro sabor. É como cozinhar ao invés de pedir delivery. Como ler um livro aleatório da estante ao invés de um best-seller sugerido. Como viajar sem roteiro ao invés de seguir o top 10 do Instagram.

O novo, o incógnito, o que ainda não foi ranqueado: é aí que a liberdade se esconde.

Afinal, quem programa quem?

Talvez a pergunta não seja se somos programados pelo algoritmo, mas o quanto estamos programando nossa própria vida em cima do que ele diz. Porque, no fundo, a gente também vira algoritmo: previsível, replicável, controlável.

Mas há um ponto de inflexão. Um momento em que você pode interromper o ciclo, olhar para o lado e dizer: “hoje eu vou fazer diferente”. Mesmo que seja só por curiosidade.

O papel da curiosidade na quebra do padrão

A curiosidade é uma ferramenta poderosa. Ela nos tira da rota, nos faz perguntar, explorar. Quando estamos curiosos, somos menos manipuláveis. Porque queremos entender, não apenas aceitar. E isso já é um ato de resistência.

A próxima vez que você for “escolher” algo…

Pare um segundo. Pergunte-se: essa escolha é minha? Ou foi induzida? Há uma outra opção que eu não considerei? O que eu escolheria se ninguém tivesse me mostrado nada antes?

Esse tipo de reflexão, feito de forma leve e frequente, é um treino. Treino de autonomia. De liberdade real.

O poder de decidir está na consciência

No fim das contas, talvez o segredo não seja se livrar do algoritmo, mas aprender a dançar com ele. Conduzir, vez ou outra, em vez de sempre ser conduzido. Lembrar que escolher é um ato de coragem. Porque exige que a gente se conheça. E, vamos combinar, isso sim é um desafio muito mais profundo do que simplesmente clicar no que aparece primeiro.

A próxima vez que você abrir um app, entrar numa loja ou se pegar pensando igual a todo mundo, lembre: você pode ser mais do que um resultado de dados.

Você ainda pode ser a escolha.

E isso, meu amigo, nenhuma inteligência artificial pode tirar de você.

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