O fenômeno do “quiet quitting”: quando o funcionário se desliga sem sair da empresa

Imagine entrar em um escritório onde todos parecem estar presentes, mas poucos realmente estão ali. Eles cumprem o expediente, entregam o que é exigido e respondem às mensagens dentro do prazo. Mas falta algo: brilho no olhar, vontade de inovar, energia para ir além. Esse ambiente silencioso é palco de um fenômeno que vem ganhando cada vez mais espaço nas rodas de conversa, nas redes sociais e — principalmente — nas empresas: o “quiet quitting”.

Apesar do nome soar como “demissão silenciosa”, o termo não significa que alguém está literalmente saindo da empresa. Na verdade, o “quiet quitting” descreve o comportamento de profissionais que decidiram fazer apenas o básico. Nada de horas extras, nada de abraçar projetos extras, nada de correr atrás de reconhecimento. Eles não se demitem — mas também não se engajam mais.

De onde veio isso?

O termo se popularizou em 2022, especialmente com o crescimento de vídeos no TikTok em que trabalhadores compartilhavam suas experiências com o “quiet quitting”. Muitos desses relatos vinham de jovens profissionais que, após vivenciarem burnout, frustrações com chefes abusivos ou ambientes tóxicos, optaram por colocar limites claros entre a vida profissional e a pessoal.

Essa atitude foi vista por muitos como uma forma de autopreservação. Afinal, por que entregar 150% se o retorno é de 60%? Por que comprometer saúde mental por uma cultura que valoriza quem trabalha até a exaustão?

Quiet quitting não é preguiça. É reação.

É importante desfazer um mal-entendido comum: o profissional em “quiet quitting” não é preguiçoso, irresponsável ou desinteressado. Na maioria das vezes, ele está esgotado. Desmotivado. Ou simplesmente cansado de lutar por um reconhecimento que nunca veio.

Ele pode até amar o que faz, mas está fazendo o que é justo, dentro do que foi acordado no contrato de trabalho. Nada mais, nada menos. E isso não é errado — o problema é quando esse comportamento se torna o sintoma de um ambiente mal gerido, desmotivador e carente de empatia.

O que leva ao quiet quitting?

São vários os fatores que podem levar um colaborador a se “desconectar” emocionalmente da empresa. Veja alguns dos principais:

Falta de reconhecimento: quando o esforço extra vira obrigação não reconhecida, o colaborador aprende que não vale a pena se dedicar além do básico.

Sobrecarga constante: metas inalcançáveis, acúmulo de funções e jornadas exaustivas levam ao esgotamento.

Gestão tóxica: chefes controladores, abusivos ou indiferentes destroem a motivação.

Falta de propósito: quando o trabalho não conecta com valores pessoais, ele se torna vazio.

Ambiente sem escuta: colaboradores que não se sentem ouvidos param de falar — e de se envolver.

Por que o quiet quitting assusta tanto as empresas?

Simples: porque ele é silencioso. Ao contrário da rotatividade tradicional, em que o RH pode medir os impactos da saída de um talento, o “quiet quitting” passa despercebido. O funcionário está ali, entrega o que foi pedido, não dá dor de cabeça. Mas a longo prazo, o time perde performance, inovação e conexão.

E o mais preocupante: esse comportamento pode se espalhar como um vírus. Um colaborador desmotivado pode afetar a moral de toda a equipe, criando uma cultura de conformismo e indiferença.

Como evitar que isso aconteça?

Não existe uma fórmula mágica, mas há caminhos possíveis. O primeiro passo é entender que o “quiet quitting” é menos sobre o colaborador e mais sobre a cultura da empresa. Então, é hora de fazer uma autocrítica sincera:

A liderança é acessível e humana?

Os objetivos são claros e realistas?

Existe espaço para crescimento e aprendizado?

O trabalho é reconhecido de forma justa?

O ambiente valoriza o bem-estar e o equilíbrio?

Se a resposta para essas perguntas for negativa, é hora de agir. Aqui vão algumas ações que podem fazer a diferença:

Reforçar o reconhecimento

Valorize entregas, mesmo as pequenas. Um simples “obrigado” pode transformar o dia de alguém. Crie rituais de valorização, feedbacks construtivos e premiações que façam sentido.

Incentivar o diálogo

Crie espaços seguros onde os colaboradores possam falar — e serem ouvidos. Escuta ativa é fundamental.

Promover equilíbrio

Incentive pausas, respeite horários, ofereça benefícios reais para o bem-estar. Um colaborador descansado é muito mais produtivo.

Investir em desenvolvimento

Cursos, mentorias, planos de carreira claros. Quando o colaborador enxerga um futuro dentro da empresa, ele se engaja.

Humanizar a liderança

Líderes empáticos e preparados emocionalmente criam equipes mais seguras e motivadas. Invista em capacitação.

E para quem já entrou no modo “quiet quitting”?

Se você está se reconhecendo neste texto, calma: você não está sozinho. Milhares de profissionais no mundo todo estão passando por esse mesmo sentimento de distanciamento, esgotamento e descrença.

Talvez você não precise sair do emprego. Mas talvez precise mudar a forma como se relaciona com ele. Vale refletir:

Você está sendo respeitado?

Está sendo ouvido?

Sente que está crescendo ou só sobrevivendo?

Se as respostas forem negativas, é importante conversar com sua liderança ou buscar novos caminhos. Cuidar da saúde mental é prioridade — sempre.

Quiet quitting é um alerta, não uma sentença

No fim das contas, o “quiet quitting” é o sintoma de uma cultura profissional que precisa mudar. É o reflexo de um modelo que ainda valoriza mais o excesso do que o equilíbrio, mais a entrega do que o ser humano.

Mas também é uma oportunidade. Uma chance de empresas e colaboradores repensarem a forma como se relacionam, como constroem ambientes de trabalho mais justos, saudáveis e motivadores.

Silenciosamente, muita gente está pedindo socorro. Que a gente aprenda a escutar — antes que seja tarde.

Estudos, dados e o impacto financeiro do quiet quitting

De acordo com uma pesquisa da Gallup realizada em 2022, mais de 50% da força de trabalho dos Estados Unidos já se identificava com o quiet quitting. No Brasil, o cenário não é muito diferente: estudos apontam que 6 em cada 10 profissionais se sentem desmotivados no ambiente de trabalho. O impacto disso vai além do bem-estar emocional — ele chega direto na produtividade e na lucratividade das empresas.

Empresas que não cuidam do engajamento dos seus colaboradores têm prejuízos tangíveis. Projetos que atrasam, qualidade que cai, clima interno que se deteriora e talentos que simplesmente “desligam” emocionalmente — mesmo permanecendo na folha de pagamento.

Segundo a Harvard Business Review, empresas com colaboradores engajados são até 21% mais lucrativas. Isso mostra que, quando o profissional sente que faz parte de algo maior, ele entrega mais — espontaneamente.

Histórias reais: o silêncio que grita

Marina, analista de marketing, 29 anos: “Comecei a fazer quiet quitting sem perceber. Só me dei conta quando vi que não participava mais das reuniões com interesse. Respondia o que me pediam, mas não sugeria nada novo. Estava cansada. Achava que ninguém ligava para minhas ideias, então parei de tentar.”

Eduardo, vendedor externo, 35 anos: “Depois de anos batendo metas e ganhando tapinhas nas costas, mas sem promoções, decidi fazer só o mínimo. Hoje cumpro minha rota, entrego o básico e vou embora. Faço isso pela minha saúde mental. Já não acreditava mais que algo fosse mudar.”

Essas histórias mostram o quanto o quiet quitting pode acontecer de forma gradual e silenciosa. Ninguém “acorda” e decide se desligar emocionalmente — isso vai acontecendo aos poucos, em um processo de frustração contínua.

O papel da liderança na reversão do quadro

Reverter o quiet quitting não é sobre cobrar mais. É sobre ouvir melhor. O papel da liderança é, mais do que nunca, ser um canal de conexão entre empresa e colaborador. É preciso saber perguntar: “Como você está de verdade?” e estar disposto a ouvir a resposta.

Treinamentos de liderança empática, coaching, programas de escuta ativa e feedbacks bidirecionais (onde o líder também se dispõe a ouvir críticas) são ferramentas fundamentais nesse novo cenário.

Além disso, a transparência nos processos — especialmente de reconhecimento, crescimento e promoção — é essencial. Ninguém quer jogar um jogo onde as regras mudam a todo instante ou onde só os “favoritos” avançam.

Novas formas de trabalhar, novas formas de se relacionar

O quiet quitting também é um reflexo de uma geração que repensa o trabalho. A pandemia acelerou esse movimento. Trabalhar de casa, passar mais tempo com a família, descobrir hobbies ou simplesmente viver com mais equilíbrio fez com que muita gente parasse para refletir: “Será que vale a pena viver para trabalhar?”

A resposta, para muitos, foi um sonoro “não”.

Isso não significa que essa geração não quer trabalhar duro. Mas quer trabalhar com propósito, com equilíbrio, com reconhecimento e com dignidade. E esse é um chamado para empresas que desejam continuar competitivas e humanas.

Escute o silêncio

O quiet quitting é silencioso, mas cheio de significado. Ele não é o fim de um relacionamento entre colaborador e empresa — mas pode ser o começo de uma mudança. Seja na vida de quem está esgotado ou na cultura de quem está pronto para evoluir.

Escute os sinais. Observe o comportamento. E, acima de tudo, converse. Porque às vezes, um simples “você está bem?” pode resgatar uma conexão que parecia perdida.

Em um mundo cada vez mais barulhento, talvez o maior diferencial das empresas seja justamente esse: saber escutar o silêncio.

Comentários

mood_bad
  • Ainda não há comentários.
  • Adicione um comentário